terça-feira, 17 de junho de 2014

Entre o físico e o emocional – Transição entre pretéritos, presentes e futuro.



“Cheguei a pensar que você merecia a chance de descobrir que ter amor é muito mais do que ter bebida e mulheres todas as noites, mas você não compreende. Sua cabeça de cima não te deixa compreender o óbvio: Que sua vida de solteiro não vai te preencher tão bem quanto eu te preenchia.”

Oi.
Meu nome é Júlia, e isso é tudo o que você pode saber sobre mim.
Não me leve a mal, isso não é grosseria. Falta de educação, tampouco. É mais um dos escudos que me senti obrigada a criar para tentar salvar os restos do coração, que ainda estão firmes aqui dentro. Precisei encontrar o ponto exato, nessa transição entre passado, presente e futuro, onde minha maturidade se elevaria mais alguns anos em poucos meses. Isso sempre acontece quando alguém muito próximo me decepciona, sendo de forma cruel ou não (e foi), e apesar de ser doloroso, é uma das coisas mais espetaculares que já que me aconteceram na vida.
Gostaria de introduzir melhor este texto, que é um dos milhares de escapes que tenho quando estou muito cheia e quero transbordar. Transbordar mágoas e palavras, molhar o papel inteiro e me sentir aliviada no final do dia, como se a maioria dos meus problemas tivesse escorrido para a folha. Tenho estado tão cheia, aliás! Às vezes, quando não consigo controlar ao menos o orgulho desvairado que insiste em apodrecer meu coração, as palavras simplesmente se recusam a sair. É quando, finalmente, começo a transbordar pelos olhos, e as lágrimas quentes molham meu rosto ao invés das palavras se adequarem ao papel.
Ah, estou tão ansiosa para transbordar tudo o que tenho sentido nos últimos dias. Fisicamente, psicologicamente e emocionalmente. Então, caro amigo que não pode saber nada sobre mim além do meu nome, vou tentar descrever o mais fielmente possível o que aconteceu comigo nas últimas semanas. As primeiras dentre as centenas que virão.
Dois dias após o fim de mais um relacionamento, fiz o que a maioria das pessoas faz para ocupar a mente e passar o tempo: comecei a frequentar a academia. Em menos de uma semana, machuquei minha coluna, e a inflamação se estendeu até o nervo ciático. Sinto dores vinte e quatro horas por dia, algumas mais leves, outras bem agudas. Como se não bastasse, sinto um ligeiro incômodo na região do apêndice. Fui a dois hospitais diferentes, tomei tantos comprimidos para dor e injeções realmente dolorosas que até perdi a conta. Tirei sangue para fazer uma bateria de outros exames e chorei horrores na sala de raio-X, pois o enfermeiro machucou minha perna. O lado direito do meu corpo está inchado devido ás inflamações, e por isso eu não consigo caminhar direito. Ao que tudo indica, tenho o mesmo desvio na coluna que meu avô materno (obrigada, vovô) e uma das minhas primas mais novas, e somar isso á neurite enverga meu corpo para o lado, o que me faz ficar torta. Quando caminho uns poucos metros, meu pé direito arde como se cinquenta pessoas estivessem apagando cigarros nele ao mesmo tempo. Perdi quatro provas na universidade, o que significa que vou pagar duzentos reais de reposições, fora a mensalidade, o transporte e os mais de oitocentos reais gastos com medicamentos, exames e consultas.  Estou preocupada com os meus pais, que não param um segundo e trabalhar e estão investindo tudo para que eu fique boa logo. Fico em casa na maior parte do tempo, e quando saio, é para fazer exames ou tomar soro nas veias.
Mas também me aconteceram coisas boas. Recuperei velhos amigos e perdoei algumas mágoas. Constatei que algumas pessoas não me magoaram de fato, apesar de eu achar que sim, e que outras tiveram a intenção clara de arrebentar meu coração, mas hoje não significam nada além de boas lembranças engraçadas que ainda me arrancam gargalhadas sinceras. Com tudo isso ocupando meu consciente, não resta muito tempo para pensar em coisas desnecessárias. De uma forma ou de outra, a academia acabou cumprindo minhas expectativas: oferecer outras coisas em que pensar e dores diferentes para sentir, pois ainda que os meios tenham sido diferentes, a conclusão de tudo está me oferecendo o resultado aguardado: outro foco.
Poucas pessoas vieram me visitar. Algumas ligam diariamente para saber como estou, outras não me questionam sobre isso nem nas redes sociais. Mas é bom que isso aconteça. Sempre ouvi dizer que os falsos somem quando a dificuldade chega, e finalmente posso concordar: Somem mesmo. Fico sentada no sofá da sala o dia inteiro (o médico recomendou repouso absoluto), esperando a hora de tomar os remédios enquanto o tempo passa lá fora, e meus sonhos vão se adiando um de cada vez. O que vejo pelos vidros da janela é o tempo fechado, escuro, o vento frio balançando preguiçosamente as árvores, a brisa gélida e a garoa mansa que varre as calçadas. Tempo muito nostálgico. Esses dias a dor não me deixou dormir, então acabei presenciando uma das cenas mais incríveis da minha vida: a lua de sangue.
Quando meus amigos me perguntam como estou, não sei exatamente o que responder. Fisicamente, é muito fácil descrever. Emocionalmente, sinto que há algo errado. É como se eu estivesse sob efeito de algum relaxante muscular muito forte: Sei que o que sinto é dor, mas não é em intensidade elevada. Pensei que não me encontraria mais quando as coisas atingissem o fim, mas está tão fácil seguir em frente. Do jeito que estou acostumada a fazer, me isolando do mundo enquanto as feridas vão sendo gradualmente transformadas em cicatrizes. Tive ajuda sobre isso, aliás. À medida que fui me deparando com as coisas ocultas aos meus olhos, fui absorvendo a realidade que muitos queriam que eu enxergasse desde o início.
Realidade que não foi fácil adotar, que fique claro, pois ir ao encontro dela seria contradizer tudo o que acreditei e julguei correto nos últimos anos. Mas o que seria da vida sem a sabedoria que as decepções nos trazem? Então aceitei a realidade de bom grado, e com ela, todas as cores que eu precisava ver para me livrar da mesmice de continuar oferecendo chances a alguém que deixou meu mundo quase inteirinho preto e branco.
Não estou mais cega. Agora vejo realmente a realidade colorida das coisas. Já não há nada oculto. Tive meu coração quebrado e meu amor despedaçado. Fui última opção e passei de presente para passado em apenas dias. Abusaram dos meus carinhos e jogaram fora tudo o que eu tinha, mas quer saber? Prefiro as cores da minha tristeza anestesiada. Prefiro a realidade sufocante das coisas que já não estão ocultas. Apesar de tudo, entre meu corpo e meu coração, prefiro muito mais a dor de milhares de decepções. Eu trocaria essa inflamação no nervo ciático por vinte corações partidos. Estou melhor emocionalmente agora, mas sei que as coisas vão mudar.
Tudo o que preciso é de um pouco de tempo, afinal de contas, meu nervo precisa melhor antes que a anestesia no coração passe.

PS.: Ler ouvindo Coldplay ou A-HÁ.

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