“Cheguei a pensar que você merecia a
chance de descobrir que ter amor é muito mais do que ter bebida e mulheres
todas as noites, mas você não compreende. Sua cabeça de cima não te deixa
compreender o óbvio: Que sua vida de solteiro não vai te preencher tão bem quanto eu te preenchia.”
Oi.
Meu
nome é Júlia, e isso é tudo o que você pode saber sobre mim.
Não
me leve a mal, isso não é grosseria. Falta de educação, tampouco. É mais um dos
escudos que me senti obrigada a criar para tentar salvar os restos do coração,
que ainda estão firmes aqui dentro. Precisei encontrar o ponto exato, nessa
transição entre passado, presente e futuro, onde minha maturidade se elevaria
mais alguns anos em poucos meses. Isso sempre acontece quando alguém muito
próximo me decepciona, sendo de forma cruel ou não (e foi), e apesar de ser
doloroso, é uma das coisas mais espetaculares que já que me aconteceram na
vida.
Gostaria
de introduzir melhor este texto, que é um dos milhares de escapes que tenho
quando estou muito cheia e quero transbordar. Transbordar mágoas e palavras,
molhar o papel inteiro e me sentir aliviada no final do dia, como se a maioria
dos meus problemas tivesse escorrido para a folha. Tenho estado tão cheia,
aliás! Às vezes, quando não consigo controlar ao menos o orgulho desvairado que
insiste em apodrecer meu coração, as palavras simplesmente se recusam a sair. É
quando, finalmente, começo a transbordar pelos olhos, e as lágrimas quentes
molham meu rosto ao invés das palavras se adequarem ao papel.
Ah,
estou tão ansiosa para transbordar tudo o que tenho sentido nos últimos dias.
Fisicamente, psicologicamente e emocionalmente. Então, caro amigo que não pode
saber nada sobre mim além do meu nome, vou tentar descrever o mais fielmente
possível o que aconteceu comigo nas últimas semanas. As primeiras dentre as
centenas que virão.
Dois
dias após o fim de mais um relacionamento, fiz o que a maioria das pessoas faz
para ocupar a mente e passar o tempo: comecei a frequentar a academia. Em menos
de uma semana, machuquei minha coluna, e a inflamação se estendeu até o nervo
ciático. Sinto dores vinte e quatro horas por dia, algumas mais leves, outras
bem agudas. Como se não bastasse, sinto um ligeiro incômodo na região do
apêndice. Fui a dois hospitais diferentes, tomei tantos comprimidos para dor e
injeções realmente dolorosas que até perdi a conta. Tirei sangue para fazer uma
bateria de outros exames e chorei horrores na sala de raio-X, pois o enfermeiro
machucou minha perna. O lado direito do meu corpo está inchado devido ás inflamações,
e por isso eu não consigo caminhar direito. Ao que tudo indica, tenho o mesmo
desvio na coluna que meu avô materno (obrigada, vovô) e uma das minhas primas
mais novas, e somar isso á neurite enverga meu corpo para o lado, o que me faz
ficar torta. Quando caminho uns poucos metros, meu pé direito arde como se
cinquenta pessoas estivessem apagando cigarros nele ao mesmo tempo. Perdi
quatro provas na universidade, o que significa que vou pagar duzentos reais de
reposições, fora a mensalidade, o transporte e os mais de oitocentos reais
gastos com medicamentos, exames e consultas.
Estou preocupada com os meus pais, que não param um segundo e trabalhar
e estão investindo tudo para que eu fique boa logo. Fico em casa na maior parte
do tempo, e quando saio, é para fazer exames ou tomar soro nas veias.
Mas
também me aconteceram coisas boas. Recuperei velhos amigos e perdoei algumas
mágoas. Constatei que algumas pessoas não me magoaram de fato, apesar de eu
achar que sim, e que outras tiveram a intenção clara de arrebentar meu coração,
mas hoje não significam nada além de boas lembranças engraçadas que ainda me
arrancam gargalhadas sinceras. Com tudo isso ocupando meu consciente, não resta
muito tempo para pensar em coisas desnecessárias. De uma forma ou de outra, a
academia acabou cumprindo minhas expectativas: oferecer outras coisas em que
pensar e dores diferentes para sentir, pois ainda que os meios tenham sido
diferentes, a conclusão de tudo está me oferecendo o resultado aguardado: outro
foco.
Poucas
pessoas vieram me visitar. Algumas ligam diariamente para saber como estou,
outras não me questionam sobre isso nem nas redes sociais. Mas é bom que isso
aconteça. Sempre ouvi dizer que os falsos somem quando a dificuldade chega, e
finalmente posso concordar: Somem mesmo. Fico sentada no sofá da sala o dia
inteiro (o médico recomendou repouso absoluto), esperando a hora de tomar os
remédios enquanto o tempo passa lá fora, e meus sonhos vão se adiando um de
cada vez. O que vejo pelos vidros da janela é o tempo fechado, escuro, o vento
frio balançando preguiçosamente as árvores, a brisa gélida e a garoa mansa que
varre as calçadas. Tempo muito nostálgico. Esses dias a dor não me deixou
dormir, então acabei presenciando uma das cenas mais incríveis da minha vida: a
lua de sangue.
Quando
meus amigos me perguntam como estou, não sei exatamente o que responder.
Fisicamente, é muito fácil descrever. Emocionalmente, sinto que há algo errado.
É como se eu estivesse sob efeito de algum relaxante muscular muito forte: Sei
que o que sinto é dor, mas não é em intensidade elevada. Pensei que não me
encontraria mais quando as coisas atingissem o fim, mas está tão fácil seguir
em frente. Do jeito que estou acostumada a fazer, me isolando do mundo enquanto
as feridas vão sendo gradualmente transformadas em cicatrizes. Tive ajuda sobre
isso, aliás. À medida que fui me deparando com as coisas ocultas aos meus
olhos, fui absorvendo a realidade que muitos queriam que eu enxergasse desde o
início.
Realidade
que não foi fácil adotar, que fique claro, pois ir ao encontro dela seria
contradizer tudo o que acreditei e julguei correto nos últimos anos. Mas o que
seria da vida sem a sabedoria que as decepções nos trazem? Então aceitei a
realidade de bom grado, e com ela, todas as cores que eu precisava ver para me
livrar da mesmice de continuar oferecendo chances a alguém que deixou meu mundo
quase inteirinho preto e branco.
Não
estou mais cega. Agora vejo realmente a realidade colorida das coisas. Já não
há nada oculto. Tive meu coração quebrado e meu amor despedaçado. Fui última
opção e passei de presente para passado em apenas dias. Abusaram dos meus
carinhos e jogaram fora tudo o que eu tinha, mas quer saber? Prefiro as cores
da minha tristeza anestesiada. Prefiro a realidade sufocante das coisas que já
não estão ocultas. Apesar de tudo, entre meu corpo e meu coração, prefiro muito
mais a dor de milhares de decepções. Eu trocaria essa inflamação no nervo
ciático por vinte corações partidos. Estou melhor emocionalmente agora, mas sei
que as coisas vão mudar.
Tudo
o que preciso é de um pouco de tempo, afinal de contas, meu nervo precisa
melhor antes que a anestesia no
coração passe.
PS.: Ler ouvindo Coldplay ou A-HÁ.